Parte I
As pequenas e grandes partículas por fatalidade biológica e necessidades da vida, vêm-se obrigadas a abandonarem suas terras, suas casas, famílias e sobretudo abandonarem suas memórias cravadas sobre os pedaços aguçados do hipocampo e amígdalas. Estes emigrantes e refugiados afinal pousam suas trouxas físicas sobre as trouxas psicológicas, abrindo parênteses onde neles só cabem pequenas frases ou orações que só sabem terminar em interrogações sobre o amanhã. Estes emigrantes são seres em que a vida fez-lhes o favor de rejeitar-lhes o ar de sua graça e eles discordando de suas sentenças, decidiram marcar passos ao encontro de novos horizontes, novos zénites, para que a mesma querida e sua excelência senhora vida vê-se obrigada a estender o seu braço de apoio ou conforto. Mas contudo estes emigrantes, ainda pensam, ainda amam, e como não podia deixar de ser eles também têm suas parceiras sexuais.
Parte II
Quatro horas da manhã, de onzembro de dois mil e noventa e nove, reviro-me em meus lençóis da esquerda a direita, de cima a baixo, feito uma serpente abatida pelas fortes bofetadas da amiga insónia. Meireles Tchalomboloca é meu nome, sou emigrante e refugiado, tirando isso nada mais sei; aliás sei que também tenho o direito de viver, de partilhar com vocês o mesmo oxigénio e fazer germinar nos meus lábios um sorriso sem igual. Agora por exemplo , são cinco horas, e pela ausência do sono obrigo a caneta a defecar tintas e deixar suas pegadas sob as linhas de uma, duas , três folhas de papeis , mas interrompo o fluxo dos meus pensamentos e ocupo-me nas lembranças de onde vim, da pobreza que evitei estar mergulhada; e vendo bem, afinal até do mal também podemos ter saudade.
Parte III
Um mosquito antropomórfico ferra meu pescoço magro e suga-me umas gotículas de sangue. Estou em Estocolmo (Suécia) aqui os carros falam e reclamam o excesso de velocidade em via pública, as flores rejeitam serem tocas por maus malfeitoras ou assassinas, aqui choramos quando achamos graça e sorrimos quando sentimos dores; nesta encarnação, apesar dos vários recursos de telecomunicações, estamos mais solitários, mais distantes. Nossa altura por cá ronda apenas um metro e dez centímetros. Mas nem com isso deixo de sentir-me emigrante. Sou emigrante e refugiado, fujo de tudo, de todos até dos meus pensamentos mais ocultos e proibidos; e enquanto isso refugio-me sob as penumbras das nádegas da minha memória, onde os peidos soam como harpas ou Cânticos de vitoria ou as vezes de desespero pelo estômago vazio. Sou refugiado e emigrante do mundo inteiro, sou de uma parte do globo ansiando estar em toda parte; e como Cristo, filho do pai, também estou à busca de Omnipresença. E por que não?
POR: ENOCH LIVULO